sexta-feira, 17 de junho de 2011

O resgate da Madalena (e uma bottarga de gema de ovo caipira)

A Madalena tradicional, com a bottarga de decoração.
Quem não sofre um assédio velado dos sabores de infância? Vem assim, aos poucos, tomando conta de um paladar imaginário, como se hoje não mais houvesse a possibilidade de reunir os mesmos ingredientes e produzir o mesmo sabor.
Será assim mesmo? A “modernização” da cozinha tem muito a ver com isso. Quase uma pasteurização, em nome da pressa de refeições espremidas entre dois turnos de expediente de trabalho. Aos poucos fomos trocando a paz de uma refeição bem feita, com tempo para um repouso posterior pela necessidade de cronometrarmos as garfadas, em nome de uma jornada a não ser interrompida.
Em alguns países da Europa ainda se encontra um ou outro estabelecimento comercial fechando para o almoço. Quer comprar? Volte depois das 15h e aí tudo bem.
Pensava em tudo isso quando preparávamos em casa uma Madalena à moda antiga. Daquela receita quase centenária que as anotações da avó não descreviam com detalhes, pois mais valia a intuição na medida dos ingredientes do que seu registro em papel. Madalena dos tempos em que não se tratava apenas de uma fusão entre a carne moída e o purê de batatas, com uma finalização ao forno. Não era isso. Diz a memória tratar-se de algo bem mais consistente, firme e com ótima aparência final.
Nas anotações, a descoberta: vai farinha de trigo, permitindo encorpar a massa à base de batatas. Como no nhoque (que também não é só farinha, como pretendem alguns). Uma camada de batatas de base, outra de carne moída bem temperada, com ovos cozidos e azeitonas, e outra de massa da batata para finalizar, cobrindo com gema batida para dourar a superfície. Forno e ali estava nossa Madalena, pronta para o consumo. Confira a receita.

Madalena

Cozinhe 15 batatas médias descascadas com um pouco de sal. Amasse-as ainda quentes com uma colher pequena de manteiga e um ovo.
Acrescente 2 colheres (sopa) de farinha de trigo e acerte o sal.
Forre um pirex untado com metade da massa e recheie com carne moída (300g) refogada com cebola, alho, sal, azeitonas verdes, cheiro verde e ovos cozidos picados.
Cubra com o restante da massa, pincele uma gema de ovo batida rapidamente com 1 colher (sopa) de água e leve para assar por cerca de 45 minutos ou até dourar.

Rendimento: 4 porções.


Estava tudo bem, pronto para ir à mesa, quando veio uma lembrança de um possível complemento do prato. O toque moderno, digamos assim.
Intrigados por uma receita do chef Carlos Bertolazzi, sócio do Zena Caffè, de São Paulo, decidimos executar por aqui uma receita de Bottarga de ovo de galinha. Caipira, no nosso caso. A bottarga de peixe (tainha, por aqui, no caso) é conhecida, com o processo de desidratação da ova, que é recoberta por cera de abelha ou parafina para a conservação. É saborosa e já conta com boa produção no Brasil. Mas de ovo de galinha, como seria o resultado? Pois não é que ficou especial? E como a Madalena tinha a cobertura de gema de ovo, completar o prato com a decoração da bottarga caseira deu cor (o laranja da gema caipira) e sabor na finalização. A receita é assim:

Bottarga de ovo de galinha

300g de sal grosso
300g de sal fino
300g de açúcar
4 gemas de ovo de galinha

Misture o sal grosso, o sal fino e o açúcar. Coloque metade dessa mistura em um recipiente, disponha as gemas, com cuidado, sobre a superfície e cubra com a metade que sobrou.
Leve para uma geladeira e deixe por cerca de uma semana. Retire o excesso de sal e leve. Fatie a bottarga e sirva.

Rendimento: 4 porções.

E assim resgatamos o sabor de uma Madalena que já não mais se encontra nos dias de hoje por aí. E aí, metidos, demos um toque de novidade à apresentação final. Sem comprometer o paladar, muito pelo contrário.

Esta nota também está em nosso novo endereço, no site do jornal Gazeta do Povo. Confira clicando aqui.

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